Sou
naufraga de uma tempestade.
Faço parte da longa lista de desalojados por
ação das águas que inundaram a cidade e a vida das pessoas que vivem em
Itajai/
SC. Cheguei nessa cidade disposta a recomeçar a vida, refazer meus
projetos profissionais, lamber as feridas emocionais geradas por um relacionamento amoroso que mostrou-se pouco amoroso. Conhecia a cidade por cá estar em temporadas de verão. Feliz, enamorada, encantada com as belezas naturais
deixei-me levar pelo som murmurante das ondas do mar, céu azul, sol ameno. Não houve, durante os meses que aqui vivi e nos encontros com o povo simples da cidade, nenhum comentário, lembrança, aviso sobre a possibilidade de uma tempestade atormentar o sono das pessoas. Esta é uma
cidadezinha pitoresca, com ruas limpas e floridas,
arquitetura que lembra a colonização
europeia. Nas proximidades, mais locais belos em sua cultura e
arquitetura, como
Blumenau, linda cidade, com pessoas belas, um pouco
arredias, comportamento
tipico dos alemães-brasileiros que lá vivem. Ilhota, local, antes de Gaspar, que é local ideal para quem deseja comprar roupa de praia e
langerie. Nas temporadas de verão é comum os turistas chegarem á Ilhota antes de vir para as praias de Balneário
Camboriú. Lá, comprar belos
biquinis e
maiôs e cá, os exporem em suas cores embelezando corpos. Essas comunidades todas me encantaram quando em 2002 fiz minha primeira viagem para essa região. Vinda do estado de Mato Grosso estranhei o frio, mas, encantei-me com a beleza dos dias
ensolarados e frios. Deliciei-me com as caminhadas debaixo do sol coisa que em meu estado não ousaria fazer. Tudo aqui era novo, belo, insinuante, alegre,
instigante. Novos desafios no trabalho me animaram. Possibilidades de crescer profissional e intelectualmente me encorajaram a ficar. Vim para isso e por isso. Esta é uma região com
ótimas universidades e grandes empresas. O lugar ideal para quem quer crescer profissionalmente e aprender sempre mais. A vida me reservou aprendizagem que não imaginei. Aconteceu a enchente de Novembro.
Distraída em meu computador, estudando, trabalhando e
conversando virtualmente com amigos distantes, não percebi o perigo de imediato. Apenas quando já era fato as águas que invadiam as casas, me dei conta. Pensar em que fazer e agir com rapidez em momentos assim são
exercício deverás forte. Toda a minha
experiência com situações inusitadas no Pantanal
matogrossensse, que me ensinaram a estar sempre em alerta e agir com presteza serviram. Tentei preservar o máximo de coisas importantes: livros, vestuário, calçados,
eletrônicos. Imagino que meus vizinhos fizeram o mesmo. depois de colocar em local alto e seguro meus livros, documentos e o máximo de roupas e calçados que pude sai de casa para buscar local seguro. Meu filho, já avisado anteriormente, vem encontrar-se comigo.
Quando abro a porta de casa a água gelada e suja invade meu espaço, minha casa, minhas lembranças, minha tranquilidade. Abro meu portão, desligo a chave de energia, falo com
vizinhos para que saiam também e caminho arrastando meu corpo pela correnteza que oferece atrito. com uma pequena bolsa no pescoço uma
frasqueira em que coloquei roupas intimas e roupas para mudar quando estivesse em casa de meu filho caminho na tentativa de abrir caminho em meio á água. Meu filho já não consegue chegar até mim com seu carro, eu, não mais consigo chegar até ele andando. Ficamos nos falando pelo celular (bendita tecnologia) tentando tranquiliza-lo descrevo o lugar onde estou e para onde tento ir. Ele, assim como eu, conhece pouco da região. Encontro pessoas que estão também caminhando pelas ruas, tentando ajudar parentes, amigos, vizinhos. Uno-me a esses para não ficar sozinha pelas ruas escuras do bairro molhada pelas águas geladas do rio que nos invade sem
cerimônia, ainda bem que sai de casaco e o corpo não sente tanto o frio, apenas as pernas e pés avisam que é noite e que está frio. Encontro local seco depois dez quadras distante de minha casa. Olho para as ruas e vejo apenas água, não mais ruas, asfalto, apenas trilhas de água e pessoas que caminham para lá e para cá, muitas perdidas sem saber ao certo o que fazer. Falo com meu filho ao telefone, bateria avisa que está fraca. Ele insiste na tentativa de chegar até onde estou,
impossível, correnteza e profundidade da água não permitem. Sai de casa as 19:30 agora são 22:30, procuro ficar próxima á pessoas, por questões de segurança
física e emocional. Debaixo de um toldo junto a um casal e uma adolescente tento conseguir um veiculo alto para romper as águas e chegar até meu filho.
Caminhões,
tratores e depois de um tempo, barcos
trafegam, mas, não estão levando
ninguém para onde devo ir, apenas resgatando os que ainda estão em suas casas. É tarde, já passa da meia-noite, os
caminhões param de
trafegar, para eles também torna-se
impossível,
tratores e barcos ajudam pessoas ilhadas. Duas da manha, apenas os barcos
incensáveis pessoas a ir e vir, trazendo gente de dentro do bairro para a avenida onde estou, que já não está mais seca. A
água chega onde estamos, precisamos sair dai. Minha bateria e
créditos acabam-se. Minha comunicação com Daniel, meu filho, encerra-se. Preocupa-me os
arroubos da
juventude, sua ansiedade sem saber de mim, suas
condições onde está. Preocupa-me o futuro próximo: será que essa água não vai parar de subir, meu Deus?!?. meus pés novamente estão molhados para onde ir? onde não há água nas ruas? Lugar algum que não no alto das casas já lotadas pelas pessoas que se abrigaram. Tentativas de conseguir um barco para sair revelam-se
impossível. Naquela desordem emocional e estrutural as pessoas não ouvem, apenas arrastam-se pelas águas.
Três da manha, em uma casa de
três pisos á frente de onde estou com o casal, um homem nos chama para que nos abriguemos. Bendita recepção. Sem pestanejar aceito ao chamado e levo comigo as pessoas com quem estava até aquele momento. Têm cães, todas as casas nessa cidade tem pelo menos um cão. Onde coloca-lo? Tentamos arrumar um local seguro para eles e para nós, estranhos todos nós, em momentos de tensão. O que nos reserva o abrigo improvisado e a convivência com estranhos unidos pelo
incomum?