sexta-feira, dezembro 12, 2008

A água que lava a história

Itajaí teve a maior parte de suas casas inundada pelas águas. Assim como Blumenau, Joinville, Gaspar, Ilhota e várias das outras pequenas e pitorescas localidades da região conhecida como Vale do Itajaí. Mudei-me para Itajaí em Março desse ano. Vinha em férias e resolvi tentar a vida por aqui. Minha morada estava completando 8 meses. Nós aqui tivemos a vida, a história, as emoções, os sentimentos, as lembranças, as sensações tocadas pelas águas. Tentamos compensar as perdas pensando naquilo que nos restou e relegando o que perdemos a status de coisas materias, que "pensamos" podemos conquistar novamente. Creio que acabamos "coisificando" a história das pessoas. O que se perdeu não foram apenas os bens materiais, os móveis. Perdeu-se a casa trabalhosamente mobiliada para que assim fosse sentida - a casa de cada um. Não apenas um lugar para pernoitar. Não estamos em hotéis e pensões impessoais por sua natureza. Estávamos abrigados dentro de nossas casas. O mobiliário até podia ser mais simples e barato que aquele encontrado nos hotéis, mas, a nossa relação com cada cadeira, cama, utencilios era completamente diferente. Além de perder coisas que compunham a nossa identidade de moradores itajaienses e daqueles que compartilharam conosco as perdas, foi-se também os sentimentos de pertencer a um lugar, de segurança, de abrigo. Foram-se as lembranças vividas através de um calçado, de uma blusa, de uma calça, de um brinquedo, das nossas fotografias, dos presentes que recebemos em ocasiões especiais e que se perderam levados pela enxurrada. O país tenta nos animar, nossos amigos nos dizem da sorte de estarmos vivos, as pessoas tentam compensar, mas, creio que seja importante dar a cada uma das pessoas que viveram essa catástrofe, que tem cheiro, tem som, tem imagens que não serão facilmente esquecidas, a oportunidade de chorar as perdas, de falar sobre as perdas e seus significados. Quando perdemos coisas de nossa casa, não estamos perdendo apenas as coisas, estamos perdendo um pouco de nossa segurança identitária, perdemos afeto. Precisamos de um tempo para elaborar, para despedir, para dizer adeus á pessoa e á casa que existiram antes da enchente e que nunca mais lá estará depois. Os odores e os sons da enchente ainda estão por aqui. A história de vida das pessoas estão amontoadas em frente á suas casas, como a lembrar cotidianamente de uma tormenta. Queremos que aquilo a que todos chamam "entulho" saia logo de nossas portas por que pensamos que assim, vamos poder recomeçar. Toda vez que saio de casa me vem a vontade de chorar. Aperta-me a garganta ao olhar para a vida das pessoas empilhada nas ruas. Emociona-me a sensação de vazio e ao mesmo tempo, a sensação de completa e absoluta turbulência que existe em cada expressão, em cada gesto. Vejo olhos cansados, sem vida. Expressões de desalento, de incerteza. Vejo olheiras. Vejo marcas que tentam eliminar com a força da água, a mesma água que foi capaz de revirar as vidas, as histórias, as identidades de tanta gente. A mesma água mal-dita em momento de tormenta é desejada para os momentos de reconstrução. Penso que é assim também com os móveis e utencilios das casas: a mesma cama ou sofá que é apenas móvel é também morada. Fico lembrando das tantas pessoas que vi em vários locais por onde andei, moradores de rua, como tantos chamam. Esses não têm casa, não têm móveis, mas, lembro-me que também esses estão sempre a tentar carregar das ruas coisas para acrescentar ao seu canto. Todos nós precisamos de roupas, calçados, local para dormir, lugar para chamar de meu. Todos nós precisamos da morada, da segurança de um lugar. Compensações á parte é importante lembrar que as pessoas, eu inclusive, não perdemos apenas os móveis perdemos história e estamos frágeis. Precisamos de tempo. A vida ainda flutua mesmo depois das águas baixarem. Quanto tempo será necessário para retomar a uma normalidade diferente da que existia antes?...não sei..penso que, muitos sequer conseguirão. Alguns não terão o tempo necessário para isso, outros, as condições de vida e de trabalho, outros ainda, a estrutura emocional. Muitos ficarão pelas ruas como o "entulho" da tormenta. Olho para a minha vida e para tudo o que aconteceu e pergunto sempre: o que tenho que aprender com isso?...ainda estou elaborando e aprendendo a toda hora. Sei apenas que hoje não sou a mesma e o que aconteceu fará parte significativa da minha história.

2 comentários:

Unknown disse...

É realmnte uma situação muito complicada e dificil de ser entendida, aceita, pois é como vc disse A agua que atormentou é a mesma que precisam pra recuperar... É facil falar que tudo vai passar, que vai superar, mais só quem passou, teve perdas que sabe como é.. Eu só peço que Deus lhe de muita força e que vc e todos moradores consigam por mais dificl que seja se restabelecer... Que Deus derrame suas bençãos sob todos vc's...

Paulo Jotha disse...

Olá Rosa, realmente é triste e imensurável passar por uma tragédia desta magnitude, minha mãe viveu uma calamidade parecida com esta em 1983, eu tinha apenas 2 anos na época, ela ficou tão chocada que a tragédia mudou o rumo de nossas vidas, ela arrumou suas coisas e voltou para Curitiba deixando meu pai por aqui mesmo. Quando conversei com ela sobre o ocorrido deste ano, ele me confortou com conhecimento de causa.

...esta ótimo seu blog, a sua cara...inteligente e completo.

beijos...